sexta-feira, 25 de abril de 2008

Deus é Big é Brother

Aos leitores assíduos dos artigos “Que saudade do meu voto”, veiculado semanalmente neste jornal, peço desculpas pela promessa não cumprida quando disse que falaria sobre alienação política e não falei sobre nada porque simplesmente não enviei texto algum ao editor. Já que ficamos uma semana sem falar de política, fiquemos duas para falar sobre o tema “Fama” com a promessa reiterada de que na outra semana retornaremos ao assunto original.
Numa das mais belas passagens de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de José Saramago, Jesus acorda numa manhã enevoada sentindo enorme necessidade de entrar numa canoa posta nas margens de um grande lago da cidade da Galiléia e após remar, sabe-se lá quanto tempo, fixa-se no meio do lago para em pouco tempo ficar acompanhado de Deus pela proa e o Demônio pela popa.
Para a edição de 2008, a Rede Globo recebeu mais de 100.000 vídeos de candidatos a entrar para o Big Brother Brasil, tendo a difícil missão de escolher 14 deles.
Assim que Jesus Cristo recebe Deus em sua canoa ele pergunta ao Pai sobre a necessidade de ter sido criado no mundo. Deus, muito pensativo, responde a ele que está cansado e frustrado.
Se fizermos uma multiplicação simples, em oito edições do BBB, provavelmente a Rede Globo recebeu algo em torno de 1.000.000 de inscrições de pessoas com pretensão a serem famosas.
Cansado e frustrado! A resposta intriga Jesus. Não pelo estado em si, de fato Deus deve e pode estar cansado, mas afinal, se está cansado também está satisfeito, o mundo que criou está a seus pés, é o dono de tudo e seu legítimo mandatário, então, porque frustrado?
Depois de sete edições do BBB, 40 participantes do Reality Show receberam vultosas quantias para mostrarem seus corpos do modo como vieram ao mundo, buscando dessa forma prolongar aquilo que os levou para dentro da casa: a fama.
Como seria bom se fosse verdade! Basicamente é o que pensa Deus sobre as conclusões de Jesus. Não, ele definitivamente não é o dono do mundo apesar de tê-lo criado, mas sim dono de um pequeno canto do mundo. Em termos globais, uma vila, um arraial. A Judéia a Galiléia e mais algumas dezenas de cidades próximas e na frente Dele, logo ali no centro da canoa, está o responsável a levar a Ele o que sempre sonhou: a fama.
Uma vez entendido o motivo pelo qual havia sido criado, Jesus pergunta ao Pai por qual razão está o Outro ali, logo ali na popa, quando ouve do Criador que seria inevitável: por onde a força de seu carisma levasse o nome do Pai, o Outro haveria de acompanhá-lo, trazendo inevitavelmente para o Demônio, aquilo que buscam os Big Brothers: a fama.
O demônio, comovido, sorri para Jesus, inebriado pela possibilidade de sair finalmente dos quintões do Inferno e o tem para todo sempre como o causador do reconhecimento humano das maldades alheias que lhe são atribuídas.
Não se trata de dinheiro. Vários dos participantes do BBB eram médicos, empresários, filhos de pais abastados.
Não se trata de dinheiro. Os bens que os homens afirmavam serem de Deus a 2000 anos atrás já o faziam rico.
Trata-se de algo inexplicável, impagável, capaz de fascinar até mesmo o maior representante das maldades humanas, esse algo chamado Fama, pois que uma vez famoso, outras tantas portas se abrem, a do amor, a do dinheiro e principalmente a do reconhecimento que é enfim a que todos nós desejamos abrir.
Deus estava cansado de ser conhecido em tão pequeno espaço, queria alcançar o mundo, afinal ele o havia criado e ninguém ainda sabia disso. Precisava de uma pessoa com o carisma de Jesus para que os homens pudessem conhecê-lo. Eis então a grande importância do maior de todos os filhos e de fato o motivo pelo qual é o mais amado pelo Grande Criador.
As pessoas que se inscreveram para o BBB deviam estar cansadas da surdina, de entrar num restaurante e não ouvir nenhum murmurinho pela sua presença, nenhum alvoroço, de saber que pouco importavam para o mundo, a não ser é claro, para os mais íntimos. Onde se conclui o inevitável: os milhares de participantes que nunca entraram para o Big Brother e os que entraram e continuam na obscuridade da fama, deveriam erguer as mãos para o céu e dizer em alto e bom som: perdoe-me Deus, tal como Tu, busquei aquilo que tanto Desejaste. Há de me perdoar, pois sou, antes de tudo, sua mais perfeita imagem e semelhança.

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