terça-feira, 23 de dezembro de 2008

DOM CASMURRO: ENTENDIDO?



E BEM, E O RESTO?
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Didático. Linear. Assim pode se resumir a adaptação de Luiz Fernando Carvalho do livro Dom Casmurro para as telas da Globo. Tal qual ao livro, o diretor vai contando, parte a parte, o desenrolar da história. Com um apresentador que faz lembrar Cid Moreira (senão ele próprio) apresentando os mistérios de Mister “M”, dividindo quadro por quadro, para talvez, facilitar a vida de quem não leu a obra. Como não poderia deixar de ser, o livro em relação à microssérie, como em tantas outras adaptações, mostra-se bem melhor que o produto televisivo. Não que isso seja um demérito para o diretor. Mas, assistindo-o desta maneira, faz lembrar dos professores que nos obrigam a lê-lo, mesmo quando ainda não estamos pronto.
Poderia-se ousar mais? Sim, o diretor é fiel a ponto de colocar as páginas do livro na tela, deixar o narrador da história, Dom Casmurro, ditar palavra por palavra, ipsis litteris. Não há a releitura da obra, a desconstrução que a transformaria num digno seriado, sem no entanto, privar-se de dizer a mesma coisa. As opções são várias, mas talvez, quis o diretor não complicar, para passar a mensagem que, com certeza, era a que mais lhe incomodava: Dom Casmurro era na verdade, amante de Escobar! Já que assim optou sigamos a mesma linha didática para explicar melhor a afirmação, sem no entanto, nos atermos à linearidade.

UM SEMINARISTA
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Eis a tese: por muitos anos se discutiu se Capitu havia traído Bentinho com Escobar ou se tudo não passava de um ciúme tresloucado do protagonista. Ninguém havia parado para pensar na hipótese inversa, ou seja, na possibilidade de Bentinho e Escobar, ambos, ex-seminaristas, terem começado a se relacionar nos porões de uma instituição chamada seminário, conhecida por muitos, como ambiente propício a relacionamentos homossexuais, devido, claro, a convivência diária de meninos que se encontram à flor do despertar adolescente, naquele justo momento em que, ávidos por conhecer os mistérios do sexo, são obrigados a conviver com semelhantes.
Luiz Fernando Carvalho não poderia deixar passar este senão: dirigi os atores, de modo a fazer com que eles mostrem ao público um prazer acima do normal em se conhecerem, faz questão de colocar na íntegra o fim do capítulo 56 que mais dignifica a tese em questão: “não sei o que era a minha. Eu não era ainda casmurro, nem Dom Casmurro; o receio é que me tolhia a franqueza, mas como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurra-las, e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou, até que...”
Lembremos de Cid Moreira: “Eis o mistério”. O que quer dizer o narrador com isso? Receio de quê? Que metáfora é essa sobre portas que não tem chaves nem fechaduras? Bentinho o achou dentro de onde e Escobar ficou em que lugar?
Vejamos no mesmo capítulo como o narrador descreve a visão do amigo: “era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. Quem não estivesse acostumado com ele podia-se acaso sentir-se mal, não sabendo por onde lhe pegasse”.
Quem entre nós que, ao descrever outro homem desta forma, fica imune de chacotas e julgamentos?


VISITA DE ESCOBAR
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Analisemos este capítulo: quem assistiu a microssérie talvez se lembrará. É o típico jantar preparado para apresentar o namorado a família. O diretor, também neste, não deixou escapar a clareza da narrativa de Casmurro. Façamos como ele: vamos ao livro.
Bentinho chega da missa e lá está Escobar alegando fazer uma visita à mãe do protagonista. Machado de Assis constrói o diálogo de forma ambígua como se Escobar estivesse perguntando da mãe. Mas transcrevamos o diálogo para melhor entendermos:
- Tive receio, disse ele.
- Os outros souberam?
- Parece que sim: alguns souberam.
Logo depois se muda a conversa para outros assuntos, Bentinho vai apresentando o enamorado a cada um da família. Mas uma vez Dom Casmurro volta a encontrar nele outras qualidades não vistas antes até que ao apresentar a prima Justina, essa percebe no rapaz algo antes não observado pelos moradores, sem que no entanto, diga isso a Bentinho.
Ao se despedir Bentinho demora-se com Escobar na ânsia de que, ao entrar no ônibus, volte os olhos para ele. Capitu assiste à cena e logo depois o questiona sobre quem seria o tal amigo.
Quem assistiu a microssérie deverá recordar dos olhares trocados pela casa, do desejo que estavam um e outro de se abraçarem e não poder, tal qual ao reencontro dos protagonistas de Brokeback Mountain. Evidente, o diretor não poderia ousar tanto, melhor fez, respeitou a obra, foi-lhe fiel, como já vinha sendo, a narrativa retirada do livro, tudo, até que no capítulo que analisaremos a seguir, não suportou a fidelidade e colocou na boca do personagem, palavras que melhor traduziriam sua intenção.

O REGRESSO
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O meu amante de minha mulher. Não há leitor, faço questão de lhe convidar, vá até o livro, está na sua estante ou na internet, não há neste capítulo esta fala, releia-o, ou leia-o, verá com próprios olhos o que lhe digo, Bentinho jamais se refere dessa forma ao filho que entra pela casa depois de passar algum tempo na Europa.
Dom Casmurro o retrata como fez o diretor, é o mesmo Escobar, é sem dúvida o amigo que morreu, inteiro, “um pouco mais baixo, menos cheio de corpo” era pelas palavras do narrador, seu próprio comborço.
Mas “o meu amante de minha mulher”, ultrapassou, dignificou a releitura, parabéns diretor, resolveu ousar para deixar claro aquilo que pretendia. Não se sinta culpado, é uma tese, um tanto quanto em desuso, mas uma tese que compartilho. Vamos as evidências.



UM FILHO
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Afinal, Bentinho não podia ter filho ou não queria ter um filho? Para se gerar um homem ou uma mulher, desde a suprema criação, sempre foi necessária a ação, seja ela divina ou da cópula. Bentinho copulava? Talvez a enorme dificuldade para se gerar o rebento viesse daí. Escobar já tinha sua criança, talvez então o próprio Bentinho tenha lhe pedido o serviço, tudo, claro, com consentimento de ambos.
Só para terminar, vamos ao nome da criança: Ezequiel. O leitor mais atento reparará em uma coisa: Ezequiel é tão somente o primeiro nome de Escobar. Justa homenagem a quem se presta a tão digno ato. Enfim partamos para o desespero da perda.

A XICARA DE CAFÉ
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Em seu grande desespero pela perda, Bentinho compra o veneno que poderá, segundo sua crença, fazer com que se encontre com o amado. A afirmativa acima procede. A narrativa machadiana trás para a história Catão de Utica, herói romano defensor da liberdade e do senado contra César. Dom Casmurro não fala sobre o livro que Catão leu antes de morrer, fala apenas que leu um livro de Platão.
Fédon. Este é o livro, um dos diálogos de Platão, que o herói romano lê antes de se suicidar. Mas o que diz esse diálogo que faz com que Catão tenha coragem de cometer tal ato? Fédon é um dos discípulos que dialoga com Sócrates antes dele morrer. Numa determinada hora da conversa, Sócrates diz a ele que não teme a morte, pois acredita que irá encontrar em Hades, as pessoas que gosta. Em suma, analisando sob outro ângulo, Bentinho pode ter se referido a Fédon momentos antes de querer suicidar na esperança de que fosse encontrar com Escobar.
Na dúvida se cometeria tal ato, Dom Casmurro assim narra: “...a fotografia de Escobar deu-me o ânimo que ia me faltando; lá estava ele, com mão nas costas da cadeira, a olhar ao longe...”
Sejamos honestos com o diretor. Absolutamente em nada, ele construiu suas cenas com intenção de passar ao espectador todo o sofrimento de Bentinho pela perda do amado. Talvez não tenha lido a obra com a atenção devida. Seja qual for o motivo isto não foi demonstrado.

UMA CONCLUSÃO
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Não se meta a procurar no livro por este capítulo, caro leitor. Em toda tese há uma conclusão. É didático. Essa é a minha.
Machado de Assis, com toda genialidade que lhe era peculiar, fez com que se discutisse por mais de um século sobre a traição de Capitu sobre Bentinho, quando na verdade, só a partir do momento em que nos pusemos a analisar o inverso, descobrimos a verdadeira traição. Pequenos detalhes, brincadeiras do autor, comum aos gênios, para enriquecer ainda mais sua obra.
É uma tese. Sim, e o diretor fez questão de enfatiza-la, ainda que veladamente. Pinçou, deu toques, os olhares dos amantes falavam por si. Colocou na boca de Bentinho, diálogos não constantes do livro.
Se acertou ou não o mundo literário um dia poderá dizer. Ainda é cedo para as repercussões acadêmicas. Mas de tudo, melhor teria sido se colocasse ao fim o apresentador Cid Moreira (ou seu semelhante) a dizer em alto e bom som:
“EIS O GRANDE MISTÉRIO DE DOM CASMURRO”.
Seria, pois, um gran finale.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Que saudade do meu voto ( Parte 7)

Chego ao fim. Durante semanas venho defendendo neste semanário um novo modelo político baseado em dois alicerces: o primeiro, interiorizar cidades com mais de 500.000 pessoas, dividindo-as em micro-regiões de 15.000 habitantes para levar a estas metrópoles o modo interiorano de se fazer política, criando desta forma um novo cargo, chamado “Regionador”.
O outro, transformar a maneira como elegemos nossos políticos, criando delegados capacitados para decidir por porções de eleitores.
O leitor que me acompanhou até agora entende o que falo. Para aquele que lê pela primeira vez a série intitulada acima, aconselho pedir ao jornal os exemplares passados ou ir diretamente ao blog http://rodrigocoutinho.blogspot.com, conferir os textos e tentar entender melhor o que digo.
Sobre os alicerces mencionados acima, creio que o primeiro está bem explicito. No entanto, o segundo requer algumas explicações que passo agora a dar:
No texto No. 6 mostrei o quanto pessoas cultas, informadas e cidadãs vivem em mercê de pessoas influenciáveis e incultas.
Peço perdão pelas palavras do texto passado que se referem aos letrados e iletrados. Conheço e não há leitor que não conheça, homens e mulheres, sem instrução alguma, com capacidade de discernimento muito maior do que pessoas que passaram a vida atrás de livros. Isso é óbvio, no entanto, precisava dizer.
Por isso proponho três coisas: primeiro, para os cargos de “Regionador”, Vereador e Prefeito, todo e qualquer cidadão continuará a votar de maneira direta.
O motivo disso é dar continuidade ao relacionamento franco e aberto que temos em todas as cidades do interior, com os candidatos e seus eleitores, como ficou demonstrado nos textos anteriores.
Segundo, que se crie no Brasil, uma instituição chamada “Delegado Eleitoral”, vinculado aos partidos.
Terceiro, que seja retirado de cada cidadão o direito ao voto para Deputado Estadual, Deputado Federal, Senador, Governador e Presidente, ficando o eleitor, incumbido de votar nos respectivos delegados que escolherão os políticos que comandarão nossas vidas. Veremos dessa forma, o modelo grego voltando ao seu apogeu.
O avanço da democracia só se dará no dia em que os políticos detentores de grandes poderes forem eleitos por pessoas conscientes de suas ações.
Negros, brancos, amarelos, ruivos, analfabetos, poliglotas, mestres, doutores. Todo e qualquer cidadão que se interessar em ser delegado eleitoral, fará provas específicas de conhecimento para estar apto a votar de forma lúcida.
Da mesma maneira que não nasço com o direito adquirido de dirigir um carro ou pilotar um avião, da mesma forma que necessito de uma carteira para comandar uma embarcação, é preciso também mostrar, provar, que estou apto a votar.
Porque será esta aptidão que me dará o direito de analisar e colocar no comando da vida de milhões de pessoas os políticos que nos governarão.
E assim chego ao final desta longa jornada exponencial. Há esperança em ver estas idéias sendo adotadas pelo país afora? Sim, este é o objetivo.
Não há menor dúvida de que poderíamos ocupar a muitos e muitos anos um lugar de destaque social, econômico e político no mundo.
O motivo de estarmos aqui é que ao longo dos tempos escolhemos pessimamente aqueles que nos representariam.
E se fizemos isso foi porque não percebemos ainda que precisamos mudar primeiro a pessoa que escolhe os comandantes: nós.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Que saudade do meu voto ( Parte 6 )

Lembro de poucas coisas da época em que morava em Brasília. Uma delas refere-se às eleições de 1989 entre Lula e Fernando Collor.
Depois de ter ganhado de Brizola o direito de disputar o segundo turno, nosso atual presidente poderia ter governado o país alguns anos atrás, trazendo, inevitavelmente, todos os progressos e conquistas que ora tem nos proporcionado. Infelizmente não ganhou.
Em seu lugar entrou Collor e todos sabemos o grande final.
Mas o que mais me recordo não é especificamente o resultado das eleições, nem mesmo a diferença de 3% entre os candidatos, que impingiu uma derrota a Lula, mas sim, os dias em que antecederam o pleito, quando saía com amigos para fazer campanha para o metalúrgico.
Tinha 16 anos e usávamos a desculpa de pedir votos às meninas como método de aproximação.
Lembro como se fosse hoje: havia um grupo de cinco meninas sentado entre as quadras do Cruzeiro Velho, algumas com mais de 20 anos, logo, em plena condição de votar.
No meio da conversa pedi a elas que votassem em Lula. A mais velha riu e disse: “de jeito nenhum”. Quis saber os motivos da escolha por Collor, esperava alguma explicação plausível, que pudesse até mesmo me convencer de que estava errado.
A explicação não veio. Não havia motivo aparente, nem mesmo um veio político de esquerda ou direita, nada que pudesse justificar seu voto.
Já que não havia motivo para se votar no presidente que mais tarde receberia Impechemant, pedi que mudasse sua intenção para Lula. Foi quando ela concluiu: “não conheço nem um nem outro, mas pelo menos Collor é bonitinho”.
Estava explicado. Alguns dias depois os aspectos fisionômicos do candidato alagoano talvez tenham lhe garantido os 3% a mais de voto que o feioso Lula da Silva precisava para se eleger.
E eu precisaria esperar alguns anos para ver o homem mais bem preparado deste país assumir a presidência.
Contei este fato para mostrar ao leitor como são as eleições da dita democracia brasileira. Muitos que lêem já sabem disso e hão de concordar comigo: não é possível permitir que outros aspectos, que não sejam a capacidade intelectual e de negociação, a vontade de trabalhar e ser honesto, definam uma eleição.
Uma recente pesquisa publicada no Estado de Minas revelou a baixa escolaridade do eleitorado brasileiro: exatos 51,5 % dos 127,4 milhões de eleitores não conseguiram completar o primeiro grau ou apenas lê e escreve e apenas 3,43% possuem curso superior. Ou seja, 65.611.000 eleitores são semi-analfabetos e 4.369.900 são letrados.
Esses números mostram o óbvio, explicam enfim o motivo pelo qual há em nosso congresso tanto político despreparado. Eles, em sua maioria, são eleitos por pessoas incapazes de discernir o certo do errado, gente humilde, influenciável, capaz de trocar votos por cestas básicas, por cinqüenta reais.
A conseqüência disso é clara: a minoria dos eleitores brasileiros, dotada de uma razão capaz de fazer uma escolha com mais parcimônia e menos emoção, com mais clareza e menos influência, vive em mercê das escolhas de uma grande massa que não consegue diferenciar o bom do mau político.
Em mercê de eleitores que votam em um candidato porque ele é “bonitinho”. É preciso mudar isso e no próximo texto finalizarei esta série de artigos propondo aquilo que acho correto para que haja uma verdadeira democracia no Brasil.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Que saudade do meu voto ( Parte 5 )

Grandes impérios se espelham em grandes impérios!
A democracia foi implantada na Grécia por Clístenes em substituição ao tirano Hípias, muito por exigência do povo que exigia maior transparência nos atos de seus governantes.
Clístenes dividiu a cidade em dez distritos habitando-os em número igual. Cada distrito deveria eleger um estratego (chefe, general), e designar 50 senadores e 500 candidatos para o tribunal, todos eles homens retirados do povo.
A união de todos os senadores dos distritos e dos candidatos ao tribunal formava respectivamente o “Bulé”, transformado em órgão municipal do governo e o tribunal dos heliastas, responsável por criar as leis do país.
Chegava-se assim, entre 461 e 429 a.C. a mais perfeita forma de governo inventada pelo homem, onde a liberdade de pensamento comandava as ações da população.
Milhares de anos depois, como não poderia deixar de ser, o sistema político inventado na Grécia é base dos maiores países desenvolvidos do mundo. Com uma diferença:
Quando digo por exigência do povo, o leitor não deve entender da mesma maneira como hoje entendemos a palavra “povo”.
Na Grécia antiga o termo se equivale a dizer que quem comandava e exigia mudanças era uma elite cultural, dotada de grandes conhecimentos, onde o embate intelectual era uma constante.
Pessoas livres de compromissos do dia a dia, incumbidas de pensar, estudar e praticar nobres ações, que possuíam escravos para os trabalhos árduos como plantar, cultivar e produzir bens materiais, enquanto as mulheres serviam apenas para procriar e cuidar da prole e do lar.
Claro, o conceito de povo evoluiu até chegarmos aos dias de hoje, onde aparentemente não temos escravos e as mulheres alcançam cargos e salários antes inimagináveis.
Mas em um determinado país chamado Estados Unidos da América, a idéia grega serve aos ideais democráticos: o leitor que está acompanhando as primárias do partido democrata entenderá o que estou falando.
Até mesmo para se eleger quem concorrerá ao cargo de presidente da nação, não há eleição direta em determinados candidatos, mas sim vota-se em delegados para que estes escolham seus representantes.
E finalmente nas eleições à presidente o povo precisa antes escolher quem irá decidir por eles.
Grandes impérios se espelham em grandes impérios. Os americanos perceberam os riscos de pessoas comuns votarem em cargos tão elevados e, tal qual aos gregos, criaram um sistema político onde uma elite cultural decide o representante mor do país.
Esta é a explicação para a supremacia americana? Com certeza não, mas apenas um dente da engrenagem que a faz rodar. Um dente, diga-se de passagem, da mais alta importância.
Na semana que vem veremos os malefícios que o direito ao voto adquirido no nascimento de cada pessoa neste país provoca ao Brasil e o que é preciso fazer para que tenhamos de fato, governantes eleitos através da plena consciência política.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Que saudade do meu voto ( Parte 4 )

O voto distrital, como nos informa a Wikipédia, foi criado na Alemanha logo após a II guerra mundial.
Tem como principal objetivo aproximar o eleitor de seu candidato, dando maior visibilidade dos trabalhos elaborados, uma vez que os concorrentes a cargos públicos moram no distrito dividido em pequenos grupos eleitorais.
Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e Alemanha adotam o modelo de votação. No Brasil, alguns partidos lutam para implantar a idéia.
Mas, pensemos, em que isto melhoraria o jogo político brasileiro? A questão é puramente numérica.
Belo Horizonte conta hoje com 41 vereadores e uma população que beira 2.500.000 habitantes. Ou seja, para cada 61.000 habitantes há um vereador a representá-los. Iguatama, cidade a oeste de Minas, tem 15.000 habitantes e 9 vereadores. Ou seja, 1.666 habitantes são representados por um vereador.
Pergunto: em qual das duas cidades o vereador precisa ser mais transparente em suas ações? E não se trata apenas de transparência, mas sim fazer com que o número de candidatos a disputar o cargo seja bem mais representativo nas grandes metrópoles do que realmente ocorre hoje.
Para 9 cadeiras da câmara legislativa de Iguatama, havia 150 concorrentes ao cargo de vereador. Ou seja, 1% da população da cidade era candidato.
Nas eleições passadas foram 1034 candidatos em Belo Horizonte. Ou seja, 0,0004 da população.
Com todos estes números é fácil perceber a desmotivação política das grandes metrópoles. Se não conheço sequer o candidato que irá me representar, como posso ser obrigado a votar?
Mas voltemos ao voto distrital: De que adiantaria dividir as regiões de Belo Horizonte para implantar um sistema de voto regionalizado? Nada, nada adiantaria, pois o que está em jogo não é uma representação regionalizada onde o eleitor, ao conhecer o candidato e político, pode cobrar mais de suas ações.
O que está em jogo é o fato de que a quantidade de pessoas candidatas a disputar um cargo eleitoral nas grandes metrópoles é proporcionalmente inferior à quantidade de candidatos de uma cidade do interior de qualquer estado brasileiro.
Sendo assim, uma regionalização nas grandes metrópoles se faz eminente, como disse na semana passada, em 15.000 habitantes por jurisdição e dentro deste pequeno núcleo é necessário haver uma eleição de quatro em quatro anos para se escolher cinco “Regionadores” que irão levar aos políticos detentores de cargos maiores, as ânsias da população que o cerca, “Regionadores” estes que servirão como cabos eleitorais de inúmeros políticos Brasil afora.
Eis então a grande diferença desta nova proposta para o chamado “Voto Distrital”. Fazer de cidades com mais de 500.000 habitantes, pequenas regiões interiorizadas onde o jogo político poderá novamente ser praticado e os eleitores tenham prazer em votar em seus candidatos.
Votar de forma consciente em pequenos cargos. Porque para os maiores como Deputado Federal, Senador e Presidente, é preciso pensar se de fato, todos os brasileiros têm direito a este compromisso cívico.
Na semana que vem falarei sobre as origens da democracia na Grécia e como e quem deveria votar em cargos responsáveis pela vida política de uma nação durante quatro anos ou mais. Até lá.

Que saudade do meu voto ( Parte 3 )

Findado o BBB, tendo o ganhador ficado com a nítida certeza de que agora a Fama o visita, voltemos ao campo da política.
Para o leitor que me acompanhou nas últimas quatro semanas esse parágrafo é desnecessário, pode-se pular para o próximo. Para o leitor que agora me visita, mesmo sem Fama, devo lembrar que estes artigos tratam da compreensão de como se dá a alienação política nas grandes metrópoles e como podemos contornar tal situação se nos remetermos aos modos como a política é feita no interior deste país. Portanto mãos à obra.
No primeiro artigo desta série falei sobre a tristeza que senti ao me mudar para a capital e não ter o mesmo assédio que sofria na minha cidade natal, quando se aproximavam as eleições.
Falei também sobre a idéia que podia mudar tal realidade: criar um cargo abaixo de vereador nas grandes metrópoles para trazer à baila o jogo político.
Neste instante o leitor mais voraz irá ler as próximas linhas com ódio, raiva, ganância, talvez pensando o óbvio: “será possível que esse maluco está querendo criar mais um cargo político para ser sustentado pelo povo, pelo meu dinheiro?”
Sim acertou, eu estou querendo criar mais um cargo político mesmo que não compartilhe com a idéia de que seja um dinheiro mal gasto. Por quê?
O cargo de vereador para cidades como Belo Horizonte já não faz mais efeito para a disputa política. Aqui, nós sequer conhecemos estes políticos, quanto mais participamos de suas campanhas. Tudo isso acontece pelo motivo dito no primeiro artigo: se eu votar ou não no meu candidato, meu compromisso cívico não fará a menor diferença para fazê-lo um vencedor ou perdedor. Então meu voto, individualmente falando, não tem valor algum.
Sendo assim, é necessário haver um cargo abaixo de vereador para que haja de fato uma disputa onde meu voto possa fazer alguma diferença na contagem final, sentindo-me valorizado por isso, conseqüentemente feliz por estar participando de um jogo de interesses pessoais, sociais e financeiros, que é enfim o resumo da palavra política.
Fiz algumas pesquisas pelo interior mineiro e cheguei a um número que acho razoável para a não alienação política: 500.000 habitantes. Com cidades acima deste número o processo de votação já começa a ficar desmotivante. Nesta mesma pesquisa constatei o que já sabia: conforme diminui o tamanho da cidade, mais acirrada é a política exercida nela.
Portanto a proposta é: um cargo que aqui chamarei de “Regionador”, abaixo de vereador, para cidades acima de 500.000 habitantes, dividida por zonas de 15.000 pessoas, disputado por candidatos moradores destas zonas, com o objetivo de trazer novamente o povo à cena política, através do resgate do valor do voto.
Talvez os mais incrédulos poderão perguntar: mas o que fará o “Regionador”? Em princípio, nada. Mesmo porque a intenção não é arrumar trabalho para ninguém, mas sim fazer deste novo candidato um instrumento de interesse político das grandes massas, transformando as pessoas de meras espectadoras a partícipes da democracia brasileira. Isso é pouco? Não confundamos esta nova proposta com o voto distrital. Semana que vem veremos porquê.

Deus é Big é Brother

Aos leitores assíduos dos artigos “Que saudade do meu voto”, veiculado semanalmente neste jornal, peço desculpas pela promessa não cumprida quando disse que falaria sobre alienação política e não falei sobre nada porque simplesmente não enviei texto algum ao editor. Já que ficamos uma semana sem falar de política, fiquemos duas para falar sobre o tema “Fama” com a promessa reiterada de que na outra semana retornaremos ao assunto original.
Numa das mais belas passagens de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de José Saramago, Jesus acorda numa manhã enevoada sentindo enorme necessidade de entrar numa canoa posta nas margens de um grande lago da cidade da Galiléia e após remar, sabe-se lá quanto tempo, fixa-se no meio do lago para em pouco tempo ficar acompanhado de Deus pela proa e o Demônio pela popa.
Para a edição de 2008, a Rede Globo recebeu mais de 100.000 vídeos de candidatos a entrar para o Big Brother Brasil, tendo a difícil missão de escolher 14 deles.
Assim que Jesus Cristo recebe Deus em sua canoa ele pergunta ao Pai sobre a necessidade de ter sido criado no mundo. Deus, muito pensativo, responde a ele que está cansado e frustrado.
Se fizermos uma multiplicação simples, em oito edições do BBB, provavelmente a Rede Globo recebeu algo em torno de 1.000.000 de inscrições de pessoas com pretensão a serem famosas.
Cansado e frustrado! A resposta intriga Jesus. Não pelo estado em si, de fato Deus deve e pode estar cansado, mas afinal, se está cansado também está satisfeito, o mundo que criou está a seus pés, é o dono de tudo e seu legítimo mandatário, então, porque frustrado?
Depois de sete edições do BBB, 40 participantes do Reality Show receberam vultosas quantias para mostrarem seus corpos do modo como vieram ao mundo, buscando dessa forma prolongar aquilo que os levou para dentro da casa: a fama.
Como seria bom se fosse verdade! Basicamente é o que pensa Deus sobre as conclusões de Jesus. Não, ele definitivamente não é o dono do mundo apesar de tê-lo criado, mas sim dono de um pequeno canto do mundo. Em termos globais, uma vila, um arraial. A Judéia a Galiléia e mais algumas dezenas de cidades próximas e na frente Dele, logo ali no centro da canoa, está o responsável a levar a Ele o que sempre sonhou: a fama.
Uma vez entendido o motivo pelo qual havia sido criado, Jesus pergunta ao Pai por qual razão está o Outro ali, logo ali na popa, quando ouve do Criador que seria inevitável: por onde a força de seu carisma levasse o nome do Pai, o Outro haveria de acompanhá-lo, trazendo inevitavelmente para o Demônio, aquilo que buscam os Big Brothers: a fama.
O demônio, comovido, sorri para Jesus, inebriado pela possibilidade de sair finalmente dos quintões do Inferno e o tem para todo sempre como o causador do reconhecimento humano das maldades alheias que lhe são atribuídas.
Não se trata de dinheiro. Vários dos participantes do BBB eram médicos, empresários, filhos de pais abastados.
Não se trata de dinheiro. Os bens que os homens afirmavam serem de Deus a 2000 anos atrás já o faziam rico.
Trata-se de algo inexplicável, impagável, capaz de fascinar até mesmo o maior representante das maldades humanas, esse algo chamado Fama, pois que uma vez famoso, outras tantas portas se abrem, a do amor, a do dinheiro e principalmente a do reconhecimento que é enfim a que todos nós desejamos abrir.
Deus estava cansado de ser conhecido em tão pequeno espaço, queria alcançar o mundo, afinal ele o havia criado e ninguém ainda sabia disso. Precisava de uma pessoa com o carisma de Jesus para que os homens pudessem conhecê-lo. Eis então a grande importância do maior de todos os filhos e de fato o motivo pelo qual é o mais amado pelo Grande Criador.
As pessoas que se inscreveram para o BBB deviam estar cansadas da surdina, de entrar num restaurante e não ouvir nenhum murmurinho pela sua presença, nenhum alvoroço, de saber que pouco importavam para o mundo, a não ser é claro, para os mais íntimos. Onde se conclui o inevitável: os milhares de participantes que nunca entraram para o Big Brother e os que entraram e continuam na obscuridade da fama, deveriam erguer as mãos para o céu e dizer em alto e bom som: perdoe-me Deus, tal como Tu, busquei aquilo que tanto Desejaste. Há de me perdoar, pois sou, antes de tudo, sua mais perfeita imagem e semelhança.